Uma vantagem de avançarmos na idade é acumular ocasiões em que somos “testemunhas oculares da história”, e uma categoria que me parece particularmente interessante é a daqueles momentos em que se vaticina a extinção incontestável de alguma coisa.
Claro que ao longo do tempo houve o desaparecimento (ou quase) de vários recursos. Contudo, quando uma função é bem realizada por meio de um instrumento específico, sua permanência tende a ser mais longa. Podemos ilustrar esse raciocínio com uma tecnologia que é fundamentalmente a mesma há quase 600 anos: o livro impresso.
Já perdi a conta de quantas vezes “mataram” o livro. A mais recente veio com a popularização do e-book nos anos 2000. Porém, isso não aconteceu e se configura como uma perspectiva distante – uma pesquisa conduzida em dez países mostra que em 2020 nada menos que 42,5% dos pesquisados compraram pelo menos um livro físico, contra 15,5% que compraram pelo menos um e-book.
O livro é a melhor tecnologia para registrar e transmitir vários tipos de textos e imagens. Desde seu formato e apresentação, passando por indexação, uso de energia e armazenamento, ele é absolutamente adequado. Isso sem contar o imenso valor da experiência sensorial, cujos bons resultados de concentração, aprendizado e memória são atestados por outro estudo recente.
Sim, precisamos acolher as mudanças. Retomando nosso exemplo, e-books e audiolivros são extremamente úteis e bem-vindos. Mas isso não significa necessariamente obliterar o que já existe. Ou que tudo tem que ser “disruptivo”. Ou que aquilo que surge será necessariamente destrutivo e inexorável. Muito pelo contrário, aliás. A convivência entre o antigo e o novo não só é possível, como historicamente é o cenário mais comum.
Termino com um convite, como de hábito. Analise se os tempos agitados e ansiogênicos em que vivemos não lhe incutiram a ideia de que muita coisa na vida precisa ser isso ou aquilo; pois muitas vezes a melhor escolha pode ser, na verdade, isso e aquilo. Não é mesmo?
PARA SABER MAIS
Livros físicos e e-books (em inglês)
Experiência sensorial do livro
Por que lembramos mais de um livro impresso do que de um e-book